“Uma mudança de valores que normalmente levaria de 5 a 7 anos aconteceu em 6 semanas.” Este foi um dos muitos insights oferecidos pela recém divulgada pesquisa cultural global realizada pelo Barrett Values Centre, organização de pesquisas fundada pelo Britannico Richard Barrett. Querendo entender como as organizações estão respondendo à pandemia, a pesquisa foi aplicada entre 21/04 e 05/05 e contou com 2.520 respondentes, sendo mais de metade em função gerencial e cerca de 25% executivos seniores (C-Level). As quatro gerações presentes no mercado de trabalho estão representadas, com predominância da geração X. Os dados ajudam a responder a três perguntas:
1. Como a pandemia está impactando os valores das pessoas, e por consequência, a cultura corporativa?
2. Quais são as prioridades emergentes para organizações, empregados e cidadãos?
3. O que é necessário para as organizações vencerem no sistema social e econômico pós-pandemia?
A metodologia consistiu em um exercício de priorização de 10 valores dentre uma lista de cerca de 90 itens, sob quatro perspectivas diferentes:
1. Como as pessoas se percebem hoje (autoavaliação)
2. Como percebiam a empresa antes da pandemia
3. Com estão percebendo a empresa durante a pandemia
4. Como gostariam que a empresa fosse após a pandemia
Sabemos que em períodos de crise, as pessoas tendem a resgatar os seus valores mais importantes. A pesquisa revela que os níveis intensos de disrupção social e emocional causaram um impacto profundo no modo como as pessoas encaram trabalho e propósito.
Considerando a incerteza e imprevisibilidade atuais, o que tem sido mais importante para os profissionais ao redor do mundo? A pesquisa indica que, mais do que nunca, o que as pessoas mais querem é uma oportunidade de fazer a diferença, de impactar positivamente o ambiente em que vivem. Elas também valorizam muito a adaptabilidade, que tem sido testada diariamente. O bem-estar passou a ser um tema de grande relevância, indo além da saúde física para a saúde mental e emocional. Junto com ele, a necessidade de cuidar das pessoas, sejam clientes, empregados, familiares e comunidade em geral. O isolamento social, por contraditório que pareça, passou a ser uma grande escola de cuidado e respeito por outras pessoas. A aprendizagem contínua manteve-se na lista dos dez valores prioritários, dado que a realidade se apresenta sem bula e sem vacina. Por fim, a família se manteve no ranking dos valores mais queridos globalmente.
Por motivos imprevistas, indesejadas e com custo altíssimo, traços de uma nova cultura corporativa estao aparecendo. Ela chegou trazendo algumas mensagens positivas, que precisam ser ancoradas em novas práticas para que permaneçam fortes quando a pandemia passar.
O DE/PARA da transformação cultural diagnosticado durante a pandemia aponta para três tendências:
1. DE foco em performance de curto prazo PARA foco em pessoas;
2. DE gestão por controle PARA adaptabilidade;
3. DE estruturas hierárquicas PARA trabalho em equipes horizontais.
Por estranho que pareça, o coronavírus trouxe a perspectiva de um ambiente mais saudável para as organizações. Isso é o que aponta a entropia organizacional, conceito que mede o percentual de energia gasta de forma desnecessária e improdutiva, ou seja, energia desperdiçada no trabalho. Antes da pandemia, os respondentes percebiam como principais valores negativos a burocracia desnecessária, a gestão por comando e controle e ahierarquia rígida. O grau de entropia resultante era um elevado 20%. Mesmo durante o caos da pandemia o percentual de entropia caiu para 17%, ou seja, as organizações conseguiram melhorar o seu ambiente cultural. Outra mudança interessante é que os geradores de entropia durante a pandemia são outros: a cautela, a confusão e ainsegurança quanto à manutenção do emprego.
A abordagem cultural de Barrett é baseada em uma fusão da pirâmide de Maslow, que dividiu a escala de motivações humanas em 5 níveis de prioridade e a filosofia védica da Índia, que descreve a evolução dos níveis de consciência. Barrett juntou os modelos ocidentais e orientais para gerar um poderoso modelo de 7 níveis. Os níveis 1 a 3 são a base de sustentação da organização: crescimento financeiro, relacionamentos humanos e foco em performance. O nível 4 é o ponto de virada, a fase em que a organização se compromete de verdade com a transformação. Os níveis 5 a 7 representam valores que permitem liderar com base em propósito e foco no bem comum. Importante frisar que sem uma passagem corajosa pelo ‘portal’ do nível 4, a transformação cultural não avança, pois os valores deste nível desafiam a organização a quebrar vários padrões de comportamento limitantes.
A pesquisa mostra que a maioria das organizações priorizou de forma concentrada e inédita valores do nível 4 ou acima. Os valores classificados como mais importantes foram: adaptabilidade, trabalho em equipe, compartilhamento de informações, agilidade e equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Pela primeira vez participantes de uma pesquisa cultural global indicam a colaboração entre equipes - a quebra de silos tradicionais - entre as 10 prioridades das organizações.
Ainda que preliminares, estes dados indicam que estamos caminhando para uma forma de trabalhar mais evoluída, baseada em agilidade, colaboração, confiança e propósito.
O principal ponto de atenção revelado pela pesquisa é o desalinhamento de prioridades entre os executivos seniores e os colaboradores. Foram observados 4 gaps em termos de prioridades, quais sejam:
1. Agilidade e inovação: esses atributos são os mais valorizados pela alta liderança para a gestão dos negócios pós-pandemia. Já a média gerência e demais colaboradores não enxergam a mesma urgência neste tema.
2. Direcionamento e comunicação: essas são de longe as necessidades mais apontadas pelos colaboradores diante de tanta incerteza. Porém, a alta liderança manteve estes valores no mesmo nível de priorização registrado pré-pandemia.
3. Confiança e engajamento: estes são valores humanos críticos para a média gerencia e demais colaboradores, porém foram pouco valorizados executivos seniores.
4. Sustentabilidade: diante da complexidade dos problemas estruturais que estão sendo revelados pela crise, os executivos decidiram priorizar a pauta de sustentabilidade. Já para os demais colaboradores, por estarem mais distantes da agenda estratégica, o tema chama menos a atenção.
Algumas recomendações práticas para ajudar a alta liderança a ancorar esta nova cultura que está surgindo:
1. Envolver os vários níveis da organização na construção de uma visão de futuro clara e inspiradora, em que eles percebam os benefícios da agilidade e da inovação para a empresa e para as suas carreiras. Isto é de extrema importância para construir confiança e engajamento, haja vista que muitos profissionais estão ansiosos e com medo de perder o emprego.
2. Desenvolver comportamentos que sejam coerentes e consistentes com os novos valores desejados. O desafio é grande, pois para gerar esta ressonância positiva é preciso ampliar a consciência e evoluir não apenas profissionalmente, mas como seres humanos autênticos.
A pesquisa de Barrett explica que aos olhos dos respondentes, a maioria das organizações operava antes da pandemia sob uma perspectiva tradicional de escassez, controle e eficiência com foco no curto prazo. A promessa apontada pela pesquisa é de um novo ambiente de trabalho mais adaptável, humano, colaborativo e vinculado a um propósito claro.
Para que as organizações possam fazer essa transição de forma bem-sucedida, é necessário promover uma evolução radical na consciência das lideranças.
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