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VOCÊ RH: Líderes tóxicos fazem com que tudo permaneça à moda antiga nas empresas.


Matéria na íntegra de Caroline Marcon para Você RH.


As organizações precisam atender às demandas das equipes, mas esbarram em gestores contrários aos novos ares do mundo corporativo. Veja como reverter isso.


Os modelos tradicionais de liderança estão quebrados e representam uma ameaça às companhias.” Essa é uma das conclusões do consultor e professor Bethe E. Thomas, autor de Reinventing Leadership (“Reinventando a liderança”, lançado em março deste ano e ainda sem tradução no Brasil). Após mais de quatro décadas de pesquisas na área, ele afirma que a gestão burocrática e pautada no comando e controle já está inadequada e é pouco inspiradora para as equipes. E o fato é que muitos líderes ainda repetem comportamentos tóxicos e destrutivos – que não funcionam mais.


Ou seja, o presente de muitas empresas ainda está com os dois pés no passado: é conduzido por gestores que insistem no modelo antigo – e por isso são o principal entrave para a adoção de novas práticas. Por exemplo, eles se opõem ao trabalho híbrido, não confiam nos funcionários que trabalham à distância e medem a produtividade por presença física ou horas de batente – e não por entrega. Um estudo feito pela Microsoft com 20 mil pessoas em 11 países aponta que 85% delas acham difícil confiar que os empregados estão sendo produtivos quando em home office. Só que a maioria dos profissionais não quer voltar para o modelo completamente presencial. E esse é só um dos conflitos.


“Antes da pandemia, já vivíamos essa crise de liderança, mas a necessidade de mudança foi acelerada nos últimos anos”, diz Marcelo Treff, professor da FIA Business School e especialista em recursos humanos. Para ele, isso tem ligação com as características da própria sociedade: as organizações ainda são influenciadas por concentração de poder, paternalismo e personalismo.


Isso faz com que a maior parte dos líderes não esteja preparada para atuar nesse novo ambiente. Hoje, além das habilidades técnicas e de pensar em resultados, é essencial desenvolver competências de inteligência emocional, algo que engloba autoconhecimento, autogestão e empatia, habilidade social e capacidade de inspirar pessoas. “Muitos gestores, com o fim do isolamento e a volta ao escritório, mesmo que parcial, estão tentando retomar o modelo antigo de comandar e controlar. Só que isso não é mais possível”, ressalta Treff.


Isso porque a pandemia quebrou paradigmas. O trabalho hoje é mais definido pela fluidez e agilidade, e demanda um perfil de liderança aberto à criação conjunta e ao diálogo – e que vê na própria vulnerabilidade uma vantagem. O status de hierarquia e autoridade está saindo de cena para dar lugar a gestores que permitem que as pessoas sejam elas mesmas, deem opinião, possam errar e tenham autonomia. Segundo Ana Mocny, sócia de consultoria em capital humano da Deloitte, o posicionamento da liderança que sabe e resolve tudo sozinha, como um super-herói, está sendo desconstruído. “O líder, hoje, precisa estar disposto a desenvolver ações e programas ao lado do time e de outras áreas, encarando as decisões como um experimento”, explica. Torna-se fundamental ouvir as pessoas, estabelecer vínculos e conectar os valores da empresa às atividades.


Não à toa, um estudo feito pelo Institute for Business Value (IBV), da IBM, com 3 mil CEOs de companhias em 50 países, incluindo o Brasil, mostra que a gestão de talentos e a mudança de mentalidade da liderança estão na cabeça da maioria dos presidentes. Para eles, o momento trouxe a oportunidade de pensar numa forma diferente de liderar e operar, capaz de explorar todo o potencial corporativo, humano e social. Não que isso esteja sendo colocado em prática pelas lideranças. Nem que seja fácil.


Na visão de 50% dos dirigentes de organizações com alto desempenho, gerenciar a força de trabalho “em qualquer lugar” será o grande desafio dos próximos anos. Já nas empresas com crescimento de receita inferior, essa porcentagem cai para 25%. Ou seja, a vontade de progredir nessa área é diretamente proporcional à capacidade produtiva da empresa.


A pesquisa da IBV aponta que as expectativas de muitos funcionários em relação a seus empregadores mudaram bastante. Eles querem que seus líderes forneçam tecnologia ágil, adotem modelos de liderança mais empáticos e priorizem o bem-estar. Também devem defender culturas flexíveis e inclusivas.


Um novo mindset


Navegar bem nesse mundo demanda sair do discurso e implementar ações efetivas de mudança de mentalidade. Um estudo da Deloitte revela que até existe a intenção de mudar, mas falta preparo. Segundo a pesquisa, feita com 10 mil profissionais de 105 países, apesar de 87% dos executivos de alto escalão reconhecerem que as formas tradicionais (a organização dos trabalhos, onde acontecem e quem se qualifica para as funções) estão mudando, e que desenvolver o modelo adequado é essencial para o sucesso, apenas 24% sentem suas empresas prontas para lidar com isso. “O RH tem o desafio de ajudar as empresas a quebrar as barreiras que as fazem continuar no modelo antigo e incorporar novos valores à cultura, voltados para o aprendizado constante, a inovação, a diversidade e a flexibilidade”, diz Ana Mocny, da Deloitte.


Segundo ela, é difícil dizer qual é o melhor modelo para amanhã ou para determinada empresa. Isso faz com que os líderes percebam que não possuem todas as respostas – o que gera estresse e sobrecarga. “Essa é uma das principais barreiras para a adaptação”, afirma. Nesse sentido, é essencial estimular o trabalho colaborativo entre esses profissionais e que assumam sua vulnerabilidade. “Empresas quebram porque seus líderes se tornam arrogantes, não olham mais para o mercado e se acham bons demais para mudar”, conclui Paulo Vieira, presidente da Febracis, escola de negócios, e autor de livros como O Poder da Autorresponsabilidade.


É aquela história de pensar que, se a empresa cresceu e foi tudo bem até agora, não há necessidade de mudar. Um pensamento que, felizmente, não vingou na Scania.


A fabricante de caminhões vem trabalhando há alguns anos na mudança de mentalidade de sua liderança – o que ajudou na fase mais crítica da pandemia, durante o isolamento social. “Foi o pessoal das gerações mais novas que nos direcionou e permitiu que, de um dia para o outro, trabalhássemos em casa, com a sugestão de ferramentas e tecnologias, e uma atitude mais flexível”, diz Danilo Rocha, vice-presidente de pessoas e cultura da companhia. Ele conta que a experiência foi essencial para que as trocas entre indivíduos de diferentes idades, perfis e cargos aumentassem.


Mas ainda era preciso ir além. Até porque muitos líderes na empresa são de gerações anteriores. “Antes era comum escolher gestores com maior conhecimento técnico e mais tempo de mercado. O perfil ‘eu conheço, sei tudo e sou o melhor dessa área’ era algo normal”, afirma Danilo. Segundo o executivo, o maior papel da liderança hoje é conseguir extrair o melhor de cada um e num ambiente legal, saudável, transparente e de segurança psicológica.


Em abril deste ano, a empresa iniciou o programa Leaders Creating Moments that Matter (“Líderes criando momentos que importam”). A ideia é, por meio de encontros e conteúdos até o final deste ano, apoiar as lideranças nos desafios atuais. Um deles é não apenas tratar de tarefas e metas, mas também construir conexões emocionais com as equipes e criar experiências que inspirem, motivem e engajem.


O primeiro tema abordado foi cultura organizacional e engajamento. Logo virão mais: liderança inspiradora, saúde mental, cultura de inovação, entre outros. A companhia conta, ainda, com os chamados Guardiões da Saúde, um grupo formado por profissionais de diversas áreas, como fisioterapeuta, especialista em terapias integrativas, nutricionista e instrutor de meditação. “Eles são treinados para identificar, junto à pessoa assistida, seu estado de saúde e se algo precisa ser feito”, explica Danilo. A partir dos pontos levantados, terapeuta e participante definem um plano de ação, que vai desde consultas especializadas e cursos até atividades físicas.


Equilíbrio entre resultados e pessoas


A humanização da gestão também tem sido uma aposta da Electrolux. Em 2021, junto do time global de RH, a companhia criou um treinamento específico para os gestores de cada região, elaborado a partir de um modelo que equilibra o olhar para o negócio e para as pessoas. “O objetivo é desafiar as lideranças a exercer um perfil mais humano, empático, protagonista e servidor”, explica Valéria Balasteguim, vice-presidente de RH da Electrolux América Latina. Segundo ela, foi desenvolvido um novo mindset de atuação e comportamentos que, ao mesmo tempo, olha para os resultados do negócio e inspira, engaja e dá empoderamento às equipes.


O processo levou em conta a transformação de sete tensões da liderança, como a empresa denomina, no universo da pandemia e do pós-pandemia. A mudança de comportamento, da oratória para a escuta ativa, foi uma delas: a transformação do líder que sempre dá as respostas, a direção e diz onde cada um deve aplicar sua expertise em alguém que dá espaço para os outros falarem, ouve para entender e tomar decisões, e está aberto para aprender com as pessoas.


“Outra mudança comportamental que eles trabalharam foi o progresso de centralizador para disseminador. Ou seja, a formação de líderes capazes de dar um passo para trás, deixando outros assumirem o controle, e que saibam como passar esse poder adiante para aumentar a eficiência.”


Gestão deve ser individualizada


Para Marina Proença, fundadora da Mentora Aí, uma consultoria para o desenvolvimento de líderes, preparar os gestores para os desafios do século 21 exige, antes, ter em mente que a produtividade está relacionada à ausência de medo, estresse e ansiedade. “É estratégia, mas também escuta ativa. Bater metas, mas também ser feliz no trabalho, permitindo que as pessoas tenham tempo e energia para cuidar de si, da família e dos amigos”, diz. Ela ressalta que, para chegar lá, é necessário moldar um ambiente de bem-estar psicológico.


“O líder precisa se preparar constantemente para criar esse espaço, para que seus liderados possam falar sem medo e sintam que suas demandas e necessidades pessoais e de desenvolvimento estão sendo observadas”, explica Marina. Isso significa manter diálogos de carreira e conhecer cada um do time, numa relação mais estreita e de confiança.


“Não é mais possível padronizar ações e programas. As pessoas são diferentes, de famílias e situações financeiras distintas, e o gestor precisa investir tempo para conhecê-las. Sem isso é impossível ter um ambiente equilibrado e de confiança. Por outro lado, ela diz que é essencial não romantizar o trabalho. “Momentos difíceis fazem parte e estamos passando por um período desafiador. O importante é equilibrar bem isso”, ressalta.


Maria Candida Baumer de Azevedo, sócia da People & Results, uma consultoria de carreira e cultura empresarial, concorda com Marina. Segundo ela, quando um líder ouve diferentes perspectivas e mantém conversas individuais, é capaz de antecipar um problema e até uma dor. “Com isso, ele gera confiança na equipe”, afirma.


Atenta a esses pontos, a Alcoa apostou na criação de espaços de segurança psicológica para as pessoas falarem sobre as dificuldades que enfrentam – tanto profissionais como pessoais. Uma das ações é estimular os líderes a promover conversas diárias com o time. “Mas a ideia é ter escuta ativa, interesse; estar presente. Como boa parte da liderança é de engenheiros, perguntamos mais de uma vez como a pessoa está, por exemplo”, afirma André Rolim, diretor de RH da companhia. Ele explica que não há questões fechadas ou um roteiro. O intuito é identificar se o profissional precisa de algo ou passa por algum problema. “Geralmente, quando fazemos a primeira pergunta, ‘Você está bem?’, a resposta costuma ser padrão: ‘Estou bem’. Com outros questionamentos, fica mais fácil entender se a pessoa realmente está bem”, diz. Por lá, os gestores são incentivados até a checar, antes de uma reunião à distância, se o funcionário está à vontade para abrir a câmera.


“Os acordos são essenciais para garantir relações saudáveis e de confiança”, diz Marina. Para isso, é importante ouvir as necessidades e demandas das pessoas. Sempre, claro, alinhando os pontos ao perfil e à cultura da empresa.


Ela sugere algumas perguntas básicas, como “qual é o horário de trabalho do time?”, “como deve ser o comportamento para responder mensagens?”, “até que horas as mensagens são bem-vindas?”… A partir dos combinados mais simples, o gestor pode ir aprimorando de acordo com o perfil de seu time.


Segundo André Rolim, da Alcoa, as ações incentivaram os gestores a estabelecer acordos com a equipe. Anualmente, há uma conversa entre líderes e liderados para combinar a melhor rotina de trabalho para todos, de acordo com a função.


Mapear para mostrar resultados


Vale lembrar que qualquer mudança demanda tempo. “Trata-se de um processo, e nem tudo é simples. Resistências aconteceram e tivemos alguns casos de gestores que se sentiram órfãos do modelo antigo. Alguns até hoje perguntam quando vamos voltar integralmente ao escritório”, conta André.


O segredo, ele diz, é provar a efetividade do sistema atual de trabalho. “Uso muito os números para mostrar às lideranças que hoje temos mais atração e um acesso a pessoas que antes não tínhamos. Também contamos com um turnover menor e resultados mais consistentes”, diz. Em 2020, a rotatividade nas posições mais críticas era de 30%; depois, o índice caiu para 9,8%. Além disso, a companhia demorava em torno de 110 dias para preencher uma vaga técnica, e agora consegue contratar em cerca de 70 dias.


Como reflexo, mesmo com a possibilidade da volta integral ao escritório, os líderes perceberam que o modelo mais flexível garante mais produtividade, engajamento e integração entre pessoas e atividades, além de atração e retenção de talentos. Também ficou comprovado na prática que os líderes interagem com mais pessoas atualmente do que antes da pandemia.


Um dos desafios agora é otimizar o tempo gasto em reuniões para que todos consigam trabalhar individualmente e com foco. A Alcoa também concluiu que os gestores acabam interagindo mais no modo remoto, dentro e fora do time, do que presencialmente.


Tão importante quanto oferecer desenvolvimento e conscientização é acompanhar a performance dos gestores, analisando principalmente como os resultados foram atingidos e indo além da avaliação tradicional – olhando as entregas, mas também o comportamento. Não adianta mais bater a meta sem analisar se isso custou a saúde da equipe. “O RH deve pensar em uma avaliação mais robusta, que leve em conta a opinião de pares e equipes, numa visão 360 graus”, diz Treff, da FIA Business School.


Pensando nisso, a Suzano implementou, no final de 2022, o Sommos, nova plataforma de avaliação de performance que analisa as entregas dando mais peso ao comportamento das pessoas para realizá-las. Essa mudança ajudou a mapear como o gestor é no dia a dia.

“Estamos num movimento cultural que foca a simplificação e o desenvolvimento de um líder que inspire e transforme para apoiar o crescimento do negócio e das pessoas”, diz Beatriz Salvatori Olivares, diretora de gente e gestão da Suzano. Para que isso fosse adiante, a companhia apostou na capacitação de todo o time.


A primeira etapa foi a implementação de ações de conscientização e esclarecimentos, incluindo vídeos explicativos, materiais de apoio e realização de workshops. Já a segunda fase foi voltada para os líderes da empresa, com temas como a melhor forma de se preparar para dar feedbacks e ter conversas de carreira com a equipe.


A Suzano estabeleceu também as chamadas “regras de ouro”, que são combinadas para ajudar as pessoas a equilibrar melhor vida pessoal e profissional. Uma delas: não ter reuniões no almoço, nem antes ou depois do expediente – as agendas estão bloqueadas antes das 9h e depois das 18h –, além de parar de trabalhar mais cedo na sexta. “Mas cada área pode estipular seus combinados, dependendo da rotina de trabalho”, diz Beatriz.


O combate à liderança tóxica, enfim, é capaz de promover mudanças culturais que vão além dessa questão. No fundo, trata-se da busca por uma rotina de trabalho mais acolhedora. Uma missão que não tem data para acabar.

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