top of page
  • Marcon LC

O homem que mudou o jogo: como a atitude de Michael Jordan transformou o Chicago Bulls


Por Paul O'Doherty & Caroline Marcon da Field Top Teams Consulting


As lições de liderança dos melhores momentos do esporte são geralmente sobre indivíduos se superando para alcançar a excelência em condições de extrema pressão. É mais raro encontrarmos cases no esporte em que jogadores excepcionais ajudam o time inteiro a se desenvolver e atingir o seu potencial.


Na série original da Netflix - The Last Dance - traduzida para português como Arremesso Final, podemos aprender como Michael Jordan – a maior estrela do basquete de todos os tempos – transformou a si mesmo para que o Chicago Bulls alcançasse a máxima performance.


Este case é marcante porque descreve como um time de baixo desempenho mudou para vencer seis campeonatos mundiais da NBA (National Basketball Association). Em 1984 o Chicago Bulls era indiscutivelmente um dos piores times da liga. O sistema de recrutamento permite que os piores times tenham o direito de preferência para escolher entre os melhores amadores das universidades que almejavam uma carreira profissional. Este processo chamado de college draft foi originalmente criado pela NFL (National Football League) para impedir que os melhores times contratassem todos os melhores talentos, o que acabaria com a competitividade da liga. A chave do sucesso está em apostar no potencial de um jovem desconhecido, o que requer habilidade de análise e uma boa dose de sorte.


Em 1984, dois times tiveram a preferência de escolha antes do Chicago Bulls. E tal como as 19 editoras que se recusaram a publicar o primeiro manuscrito de Harry Potter, nenhum deles escolheu o jovem de 18 anos nascido na Carolina do Norte. Podemos imaginar o arrependimento desses dois caçadores de talentos que deixaram Michael Jordan passar.


Já na primeira temporada com o Chicago Bulls em 1984/85, Jordan foi premiado como revelação do ano. O seu trabalho duro e capacidade de aprender impressionaram a elite do esporte. Em apenas um ano, o icônico camisa 23 do Chicago Bulls já era reconhecido como melhor jogador da NBA e o sucessor natural de lendas como Larry Bird do Boston Celtics e Magic Johnson do LA Lakers. No entanto, com todo seu talento, Jordan se tornou uma super estrela dentro de um time que não conseguia vencer títulos. Toda vez que os Bulls enfrentavam os Detroit Pistons, os grandes rivais da época, eles perdiam. Se o time não se fortalecesse, Jordan nunca conseguiria o sucesso que sempre almejou.


A mudança mais significativa para a transformação do Chicago Bulls não foi decidida na quadra de basquete, e sim na sala do Board. O gerente geral do time, Jerry Krause, defendia que times são maiores do que indivíduos. Ele procurava uma forma de jogar capaz de reduzir a dependência em Jordan e complicar a vida dos oponentes. O coach do time na época, Doug Collins, tinha uma estratégia ofensiva inteiramente focada em colocar a bola nas mãos de Jordan e resistia em mudar para uma estratégia diferente. Os Pistons logo perceberam que tudo o que precisavam fazer para vencer era neutralizar Jordan. Jerry Krause tomou uma decisão corajosa e de alto risco - ele trocou de coach.


Para mudar o jogo, Jerry promoveu como novo coach Phil Jackson. Phil acreditava em times e quis reinventar as táticas tradicionais do basquete, criando uma movimentação em campo composta de dois ‘triângulos de ataque’. A estratégia possibilitou múltiplas opções de passe de bola e exigiu maior colaboração e criatividade entre os jogadores. A mudança de mentalidade necessária para executar esta nova estratégia foi um enorme desafio.


Em primeiro lugar, Jackson precisou convencer Jordan, sabendo que estaria privando o seu melhor jogador do passe de bola com mais frequência, e consequentemente, impedindo que ele marcasse tantos pontos individuais. Utilizando como principal argumento a imensa vontade de Jordan de vencer os Pistons, ele explicou que se o papel de Jordan não mudasse, eles não conseguiriam passar pela defesa dos Pistons. Jackson enfatizou: “Nós temos que criar uma forma de fazer com que todos os membros do time melhorem. Temos que criar outras ameaças”.


Jackson enfrentou o eterno dilema da liderança: renunciar aos resultados de curto prazo para vencer no longo prazo. Jordan encarou um dilema pessoal também: ele precisou confiar mais nos seus colegas de time e permitir que arriscassem um arremesso final em momentos críticos de pressão. “Eu não era muito fã do Phil no início” – confessou Jordan anos depois – “pois ele entrou para tirar a bola das minhas mãos”. Para um perfeccionista obsessivo por vencer como Jordan, a mudança não foi nada fácil. Depois de várias dolorosas derrotas para os Pistons, Jordan se convenceu. Ele percebeu que mesmo marcando mais de 30 pontos individuais, sozinho não traria a vitória. A maior estrela da NBA anunciou que faria esforços conscientes para direcionar suas energias em prol do time, e não do seu sucesso pessoal.


Jordan resolveu se dedicar ainda mais aos treinos para melhorar o preparo físico. Seguindo o seu exemplo, o time inteiro renunciou às férias para treinar na academia. Em uma entrevista, Jordan afirmou “minha energia passou a ser canalizada para os meus colegas, para desafiá-los a melhorar”. Um dos jogadores relembrou o quanto os esforços de Jordan inspiraram o time: “Quando você enxerga o seu líder trabalhando extremamente duro simplesmente para praticar, você sente que se você não der tudo de si, você não pertence ao time”. Jordan procurou fortalecer a autoconfiança de Scottie Pippen, seu parceiro de ataque e segundo melhor jogador do time. “Scottie e eu nos conectamos bem porque ele sente que tem alguém próximo com quem pode contar, que eu estou do lado dele. Eu sinto a mesma coisa”.


Jordan também ajudou Horace Grant, outro Jogador talentoso, mas psicologicamente frágil. Horace estava sempre se queixando de ser fisicamente provocado pelos Pistons. Jordan orientou que ele não reagisse durante as partidas e que parasse de reclamar com o juiz, explicando que isso gerava uma vantagem psicológica para os Pistons.


Em 1992 os Bulls estavam prontos para vencer. O jogador BJ Armstrong lembrou que “treinar com o Michael todos os dias naquela intensidade trouxe o melhor de nós. Scottie evoluiu, Horace evoluiu, eu evoluí". Pippen também comentou: “O sentimento era ótimo, nós amadurecemos de várias maneiras – fisicamente e mentalmente”. Eles estavam prontos para vencer o primeiro dos seis campeonatos mundiais que viriam a conquistar.


A construção de times de alta performance requer sincronização. Quando o Board e o CEO de uma organização se comprometem como uma filosofia baseada em times e não em estrelas individuais isto cria riscos e oportunidades. Mas quando o membro mais respeitado do time investe tempo e energia para mudar seus comportamentos em prol do coletivo, a mágica acontece.


A mudança de atitude de Michael Jordan catalisou a transformação do jogo coletivo dos Bulls. Ele passou a depender menos do heroísmo individual e aproveitar plenamente o talento coletivo do time. 

bottom of page