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ESTADÃO: Profissionais liberais sofrem pressão para se promover nas redes sociais

Condição para visibilidade no mercado, redes são vitrine para negócios; profissionais como médicos e advogados, porém, titubeiam, considerando limites éticos e credibilidade

Bianca Zanatta, Especial para o Estadão


As redes sociais inegavelmente se tornaram uma porta de entrada relevante no mundo dos negócios. Somando bilhões de usuários ao redor do mundo - Facebook em primeiro lugar, com 2,8 bilhões, seguido por YouTube, com 2,2 bilhões, e Instagram, com 1,3 bilhão) -, essas plataformas são uma vitrine não só para pessoas que querem se conectar, mas para empresas, marcas e profissionais que buscam atingir seu público-alvo.


De acordo com a pesquisa Maturidade do Marketing Digital e Vendas do Brasil de 2021, 94% das empresas adotam o marketing digital como estratégia de crescimento. E dá para entender por quê, considerando que, segundo as agências globais Hootsuite e WeAreSocial, mais de 70% da população brasileira têm contas nas redes sociais. São mais de 150 milhões de usuários ativos que passam, em média, 3 horas e 42 minutos por dia conectados.


Quando a pandemia levou todos para o mundo digital, porém, não somente empresas, mas profissionais liberais como médicos, advogados e psicólogos se viram num impasse: usar ou não as redes? Para Jorge Nahas, CEO da empresa O Melhor da Vida, especializada em experience marketing, esses profissionais hoje são praticamente obrigados a surfar essa onda digital.


“Cada vez mais tenho acompanhado profissionais liberais que geram mais conteúdo, mais relevância e usam a força das redes para inovar e interagir diretamente com o público”, fala. “São lives, e-books e pesquisas que acabam impactando milhares de pessoas com conteúdo relevante e gratuito de forma transparente. Isso gera um ganho de credibilidade.”


Há, no entanto, a parte negativa, que é ter uma maior exposição da própria figura, segundo ele. “E se a pessoa não quer se expor, tudo bem. Mas vai perder um pouco de popularidade e de mercado. Será que essas pessoas que não aderirem não vão ficar para trás num futuro próximo?”


A consultora organizacional e coach executiva Caroline Marcon concorda que o principal objetivo de estar nas redes sociais profissionalmente deve ser a disseminação positiva de conteúdos relevantes. “Sem expor clientes ou pacientes, dá para mostrar valores e informações que agregam muito a pessoas que não poderiam pagar pelo seu serviço, por exemplo, mas podem se beneficiar do seu conhecimento.”

A especialista encoraja profissionais que já têm uma reputação forte no offline a virem para o online. “Porque muitos que construíram reputação no digital não têm estofo, enquanto muita gente consistente não quer aparecer. Uma pena, porque elevaria o nível do conteúdo”, observa. “Mas é difícil, é necessário estar aberto a críticas. E quando você já tem uma experiência profissional construída, parece que está se sujeitando a um julgamento.”


Apesar de recomendar que esses profissionais apostem nas redes sociais, a consultora alerta para a grande responsabilidade que eles têm nas relações parassociais - aquelas que acontecem entre pessoas públicas, celebridades ou influenciadores digitais e seus seguidores.


“Muitas pessoas não conhecem você pessoalmente, mas criam relação com você. Essa influência é uma grande responsabilidade”, explica. “Em uma área em que você domina um conhecimento que 99% das pessoas não dominam, precisa zelar pelo impacto desse conhecimento.”


Ela lembra que fenômenos irresponsáveis também viralizam - e o prejuízo pode ser gigantesco. “Um exemplo que me chocou foi uma pessoa conhecida da área da saúde que, no início da pandemia, postou stories passeando em um shopping com uma máscara de tule para ironizar a eficácia das máscaras protetivas.”


Pressão do mercado

Prestes a terminar a especialização em psiquiatria, a médica Jéssica Simon, de 29 anos, acha válido estar profissionalmente nas redes sociais, mas até certo ponto. “Temos que aceitar que as mídias sociais dão visibilidade e atingem públicos que não eram atingidos antes. Isso é uma quebra de paradigma”, diz. “Mas vejo médicos fazendo tudo da mesma forma e de um jeito muito marketeiro, como vídeos no TikTok.”


Segundo ela, a área médica impõe limites específicos devido a código de ética próprio. “O marketing médico é permitido, mas há vários profissionais que extrapolam esse limite. Sorteios de produtos, informações sem evidências científicas. É um show de horrores.”


A médica conta que sente pressão para abrir um perfil profissional no Instagram devido à alta concorrência do mercado. “Antigamente, se você precisava de um psiquiatra em uma cidade como Sorocaba (onde vive), sabia exatamente quem procurar. Mas hoje, com o tanto de faculdades e profissionais que tem, como os pacientes vão me conhecer?”


A futura psiquiatra acredita que a indicação deve continuar a ser relevante na área médica, mas a demanda dos mais jovens pressiona. “As gerações mais novas, quando recebem uma indicação, vão imediatamente checar o perfil do profissional nas redes sociais, até para ver se existe identificação com a pessoa.”


Redes sociais não substituem indicação

Para a advogada de família e sucessões Renata Ferrara, de 40 anos, é importante entender a função de estar em cada rede social. “Criei as páginas do escritório no Facebook e no LinkedIn com a intenção de facilitar o acesso das pessoas aos nossos contatos. Nunca pensei no Instagram porque não consigo encontrar um propósito para isso.”


A advogada diz que usa seus perfis pessoais para compartilhar temas pontuais da esfera profissional, como eventos e campanhas. “Mas não há intenção de divulgação do meu trabalho ou do escritório por esses canais”, diz ela, segundo quem é comum, ao se divulgar o trabalho, cometer escorregadas ao falar de clientes. “Sobretudo numa área sensível como a do direito de família e sucessões.”


A advogada acredita ainda que, especificamente em sua área, os clientes continuarão chegando por meio de indicações. “Claro que as redes sociais contribuem, mas não acredito que substituam o boca-a-boca e a experiência do profissional. Acho que, ao contrário, as redes contribuem para transformar o profissional em um personagem distante do que ele é na realidade, o que pode gerar um abismo entre o que o cliente vê e o que ele encontra no contato direto.”


No caso da também advogada Dora Awad, de 48 anos, um ponto positivo das redes sociais é poder divulgar um trabalho ou serviço pouco conhecido. “Além da advocacia, sou mediadora privada de conflitos e muita gente não sabe ainda do que se trata. Também tenho um app para cuidados compartilhados dos filhos que é novidade no Brasil”, exemplifica.


Ela considera, no entanto, que o conteúdo deva ser produzido com uma série de critérios. “Alguns perfis não apresentam conteúdo, apenas fazem uso das redes como se fosse uma conta pessoal ou compartilham posts de outros perfis. Overposting é outro problema.”


A advogada lembra que o Código de Ética da OAB apresenta limites para a divulgação do trabalho da classe. “Isso inclusive é uma pauta de discussão atualmente, em função do uso das redes pelos profissionais. As redes sociais não são canais de propaganda, mas meios de divulgação de ideias e conteúdos profissionais”, ela esclarece.


Em termos de construção de clientela, a advogada acredita que a indicação prevaleça, mas que hoje, em muitos casos, não seja suficiente para manter uma rede efetiva. “Os bons profissionais não cairão em esquecimento ainda. Mas também devem cuidar minimamente de suas redes sociais porque é lá que as pessoas estão e se encontram”, diz. “Como disse a personagem Dorothy no filme O mágico de Oz, ‘tenho a impressão de que não estamos mais no Kansas’. E não estamos”, conclui.


Estratégias digitais: o que não fazer

Para profissionais liberais que usam - ou pensam em usar - as redes sociais como forma de divulgar seu trabalho, a estrategista digital Rejane Toigo, formada em odontologia e fundadora da Like Marketing, dá três dicas do que não fazer em hipótese alguma:


1. Iniciar a produção de conteúdo sem estratégia definida

“Na estratégia, o profissional deve se atentar a quais são seus objetivos - se quer captar clientes ou pacientes ou se quer promover um produto do qual é sócio -, fazer perfilamento do público que pretende atrair e entender quais conteúdos e assuntos vão levar as pessoas nesse perfil até o serviço ou produto que se está oferecendo. Muitos profissionais liberais esquecem esse detalhe e começam a produzir conteúdo de forma aleatória. Esse é o primeiro e talvez o maior dos erros.”


2. Não entender que o profissional digital é também uma marca

“No caso do profissional liberal, existe uma pessoa ali, mas o nome dela já representa uma marca que está ligada à profissão. E não pode sobrepor a pessoa à marca. Os valores pessoais, crenças e estilo de vida podem contribuir no crescimento, mas não precisa mostrar tudo - é preciso escolher a faceta dessa pessoa que vai ser interessante para a construção da marca do profissional liberal. Não que não se possa falar de política ou ter posicionamentos sobre determinados assuntos polêmicos, mas isso tem que ser estratégico. Constrói ou destrói? Contribui ou desfavorece?”


3. Se for da área de saúde, nunca sugerir certeza de um resultado

“Por exemplo, profissionais da saúde que postam imagens de antes e depois. Isso é recriminado pelos conselhos médicos e pelas próprias plataformas sociais por ser antiético. Mesmo que eu inspire algumas pessoas, quando posto algo de saúde que está sugerindo uma garantia de resultado, posso frustrar pessoas porque biologia não é ‘2 +2’. Depende de fatores genéticos, socioambientais e comportamentais, então não posso prometer que um paciente terá o mesmo resultado do que o outro. Ao invés disso, os profissionais devem se colocar no papel de informantes do percentual de eficácia que resultados científicos comprovaram, através de metodologias chanceladas pelos melhores institutos e por seus pares.”




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